Da fogueira ao cooktop

Ao longo de quatro séculos, a cozinha deixou o telheiro no quintal e se tornou um dos ambientes mais nobres da casa

Há pouco mais de 400 anos, quem quisesse jantar frango ensopado precisava correr atrás da galinha, matar e depenar o bicho e cozinhá-lo sobre a fogueira montada no chão – assim funcionavam as primeiras cozinhas brasileiras. Quando chegaram por aqui, os portugueses incorporaram o jeito indígena de preparar os alimentos pela falta de alternativas. O cômodo ficava do lado de fora para afastar o risco de incêndio e o mau cheiro. “Como não havia azeite nem óleo, a banha era feita em casa, derretendo-se o toucinho por três ou quatro horas”, conta Carlos Lemos, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ao longo dos séculos 18 e 19, o telheiro do quintal encostou na parede dos fundos, mas continuou como um apêndice menosprezado. Só na segunda metade do século 19, com as novidades oriundas da Revolução Industrial, ocorreram transformações mais significativas. Torneiras com água encanada, coleta de lixo e geladeiras (armários revestidos de cortiça, com grandes pedras de gelo no interior) permitiram trazer o cômodo definitivamente para dentro de casa.

No século 20, vieram o fogão a gás e a eletricidade, trazendo liquidificador, batedeira e torradeira na carona. Na década de 1950, já revestida de azulejos, a copa-cozinha passou a ser local das reuniões da família – receber visitas ali, porém, nem pensar. A tradição de enxergá-la como um ambiente de serviço permanecia inalterada e só começaria a desaparecer na década de 80, com as primeiras cozinhas americanas. Alguns anos mais tarde, outro fenômeno urbano mudaria nossos hábitos. Insegurança e trânsito complicado transferiram o lazer para dentro de casa e, em meados dos anos 90, cozinhar para os amigos virou moda. “Apareceram as aberturas mais generosas, com portas de correr”, explica o arquiteto Marcelo Tramontano, do Núcleo de Estudos de Habitares Interativos (Nomads) da USP. Em 2000, as cozinhas gourmet já estavam integradas aos ambientes de estar. No futuro, porém, é provável que a cozinha deixe de ser estática. “Será móvel, uma espécie de módulo compacto sobre rodízios, capaz de ser transferida e entrar em operação em qualquer cômodo da casa.”